terça-feira, 11 de outubro de 2011

Criolo - Nó na Orelha

Artista: Criolo
Álbum: Nó na Orelha
Ano: 2011
Produção: Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral
Lançamento: Independente


No final dos anos 90, os Racionais MC's apresentavam para o Brasil a forma brasileira de fazer rap. Se já existiam outros nomes do gênero, foi com os Racionais que o Brasil pode entender melhor o que se passava no morro: Mano Brown caiu nos gostos de pobres e playboys com rimas que contavam histórias de prisões, drogas, preconceito, favela e violência. A música dos Racionais vinha acompanhada de um estilo próprio - versos sérios, jeito de gangsta, avessos ao contato com a grande mídia. O grupo virou sinônimo de resistência e, diga-se de passagem, de rap de qualidade.

A tônica do rap de protesto com cara sisuda fez sucesso e se tornou uma referência para todos os novos grupos que surgiriam depois. Resultado: todo mundo resolveu se espelhar no jeito arredio de Mano Brown. Na tentativa de "não se vender" os grupos não falavam com a grande mídia, e só tratavam dos mesmos temas: a dificuldade de se viver na favela. Os destinos que a mensagem ia tomando eram cada vez menores assim como os interessados pelo ritmo. O gênero só chegava para pequenas audiências e o brasileiro passou a identificar o rap apenas como aquela música com rimas que tratam sobre violência.

Desde o sucesso dos Racionais MC's, vários rappers começaram a lutar contra esta impressão deixada. Um desses nomes é Criolo, que lançou em 2011 "Nó na Orelha". Segundo álbum de sua carreira, produzido por Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral, o álbum dá um passo a frente na história do rap e descontrói a ideia de que rap é sinônimo de batidas cruas e rimas de protesto.

Criolo costuma dizer que tudo o que faz é rap, mas ouvindo "Nó na Orelha" pode-se identificar muito mais do que se espera. Reggae, samba, brega, poesia. Um rapper que não necessariamente desenvolve suas músicas em cima das rimas, que faz uso do lirismo, da construção das palavras, brincando com a sonoridade e incluindo em seus versos o retrato do seu dia a dia, elementos da cultura pop e muitas referências. Ao contrário de outros rappers, Criolo é acompanhado por uma banda e esse diferencial pode ser percebido em sua música. Como em "Bogotá", faixa que abre o disco, um funk dançante, aos temperos de Funk Como Le Gusta e Fela Kuti, onde Criolo canta seus versos sobre bugingangas e muambas. “Todo mundo sabe o preço do papel, quem tem e de onde vem”, canta.


A segunda faixa, "Subirusdoistiozin", que ganhou video-clipe no estilo curta metragem, retrata a forma como Criolo vê o cotidiano da favela. "Pleno domingão, flango ou macalão, se o negocio é bão, cê fica chineizin”. Metais, scratchs e aquele "...parapapá" que funciona como um ótimo refrão, mesmo sem ser intencional.

Em "Não Existe Amor em SP", Criolo mostra como o rap pode atingir outros níveis sem perder sua essência. A faixa é um retrato da cidade de São Paulo de forma controversa: se Caetano Veloso tratou a cidade com os olhos de um turista em "Sampa", Criolo canta sobre São Paulo com a experiência de quem nasceu nesse caldeirão gélido que é a cidade. Em quase 5 minutos, o rapper consegue criar uma cena com personagens, cenário, ações, falas: “Os bares estão cheios de almas tão vazias, a ganância vibra, a vaidade excita, devolva minha vida e morra afogada em seu próprio mar de fel, aqui ninguém vai pro céu”. É um Criolo sutil, leve, que sabe emocionar, cantando com a autoridade de quem sofre, entoando frases como “não precisa morrer pra ver Deus”.

E as facetas do compositor não param por aí: "Mariô", um afrobeat com versos rápidos sobre preconceito. "Quem se julga a nata cuidado pra não coalhar”, versa em determinado momento. "Guajarex", um rap com versos terminados em "ex", nos bons moldes de um Chico Buarque em "Construção", "Freguês da Meia Noite" um brega, desses de dar orgulho em Odair José e "Samba Sambei" um dub cheio de referências e vocais espertos. São nessas músicas que Criolo mostra o quão produtivo pode ser sair de sua zona de conforto.

As faixas finais mostram um Criolo consciente de seu papel como MC. "Cantar rap nunca foi pra homem fraco", versa Criolo em "Sucrilhos" faixa que, segundo ele, "é um presente para todas as pessoas que gostam do cereal". "Di Cavalcanti, Oiticica e Frida Kahlo têm o mesmo valor que a benzedeira do bairro”, compara. Outras referências rítmicas e de cultura pop surgem na última faixa do álbum. É no samba "Linha de Frente" que Criolo usa a Turma da Mônica de Maurício de Souza para ilustrar o cotidiano da favela.

Criolo conseguiu desenvolver um álbum capaz de agradar um ouvinte de rap e abrir os ouvidos de um novo público. E se a mensagem de Criolo ainda não conseguiu ser entendida depois de você ouvir "Nó na Orelha", ele manda o recado na faixa "Lion Man": "MC bom é mais que photoshop e refrão". Sem dúvida, um dos melhores álbuns de 2011.

Se você tivesse que ouvir apenas uma música do cd: Não existe amor em SP

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